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TUDO PELO ESTILO
por Miguel Sanches Neto
*
publicado em 19/07/2006.
Embora tenha unidade, o livro é composto por três palestras feitas na Biblioteca de Nova York em 2002. Na primeira, Alvarez faz a distinção entre voz e estilo. O estilo é o que se possui, aquilo que se acrescenta a um texto, o detalhe que o escritor destaca em sua escrita – é pura exterioridade e estaria mais na esfera da cosmética do que na esfera literária. A lição que podemos tirar é que, contrariando as fórmulas didáticas, escrever tem muito pouco a ver com técnica. O texto será tanto mais essencial quanto mais próximo da voz do autor, que não deve apenas descobrir, em meio às falsas vozes que ecoam em seu interior, aquela que realmente é sua, mas também fortalecê-la. Logo, a formação passa pela paciente ciência de ir abandonando os penduricalhos estilísticos com o propósito de desvelar a própria voz. Vista assim, a literatura adquire um valor humano perene, que a livra da lógica da mercadoria, sujeita a modismos, cumprindo o papel de “tornar você – leitor paciente – mais integral e prazerosamente vivo” (p.24). Livrar-se dos estilos artificiais é afastar-se dos clichês, investindo numa linguagem que, de tão espontânea, permanece eternamente virgem para os leitores vindouros.
Na segunda palestra, Alvarez trata do receptor desta voz – ela deverá ser tão límpida e verdadeira quanto possível para poder ser sintonizada. Nesta concepção, toda leitura é um ato de escuta da voz, o que cria uma súbita aproximação entre quem a produziu e quem a ouve, mesmo que se passem séculos. A primeira percepção de um texto é um contato auditivo (físico) e intenso com a voz original, pois a escrita deixa de ser uma convenção de signos para tornar-se algo tão vivo quanto o leitor, emitindo ondas sonoras imaginárias que ele consegue captar. É como se o texto incluísse o próprio corpo do autor, fazendo com que a leitura seja não uma atividade solitária, mas uma conversa íntima entre mentes afastadas no tempo e no espaço. Para que isso ocorra, o autor tem que estar “presente na página”, habitando-a com um verbo sincero e despojado.
Isso não deve ser entendido com uma concessão à facilidade e ao exibicionismo autobiográfico, tal como ocorre nos dias atuais, quando biografias e autobiografias ocuparam o lugar da alta literatura de imaginação, tida como elitista – eis o tema da última palestra. Depois de um período de rigor neoclássico (o modernismo inglês), que fez com que escritores domassem suas neuroses por meio de um senso de medida, superando alguns princípios românticos, a literatura do século XX se entregou à mídia e à fama, confundindo vida com literatura. O ensaísta localiza nos anos 60 a mudança do padrão, momento em que viver tornou-se maior do que escrever. Os grandes responsáveis teriam sido os escritores beat (Allen Ginsberg & cia), que fizeram da literatura um território confessional. Alvarez nega a contracultura e o texto mal-acabado que ela institucionalizou, lembrando que vem do romantismo a tendência de viver tragicamente para dotar a obra de um valor midiático, que garanta o sucesso por meio de escândalos. Contra as drogas, as bebidas e o culto da loucura como métodos da escrita relaxada, ele entende a arte como “busca pela ordem e pela sanidade empreendida por pessoas que quase sempre são perturbadas” (p.149). Ela será sempre a afirmação pela linguagem do cosmos contra as forças latentes do caos.
Fonte: Carta Capital, 19 de julho de 2006.
Sobre o Autor
Miguel Sanches Neto: Escritor paranaense e crítico literário, assinando coluna semanal no maior diário do Paraná, a Gazeta Povo (Curitiba), tendo publicado só neste jornal mais de 350 artigos sobre literatura, fora as contribuições para outros veículos, como República e Bravo!, O Estado de São Paulo, Jornal da Tarde (São Paulo) e Poesia Sempre e Jornal do Brasil (Rio de Janeiro).< ÚLTIMA PUBLICAÇÃO | TODAS | PRÓXIMA>
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