Sexta-feira, Maio 07, 2004

Para iniciar, vita brevis



"A esperança tem duas filhas lindas,
a indignação e a coragem;
a indignação nos ensina a não aceitar as coisas
como estão; a coragem, a mudá-las".
Aurélio Agostinho, Bispo de Hipona (354-430d.C.).
Filósofo e teólogo cristão nascido em Tagaste,
no Norte da África. Sua morte, em 430 d.C., marca
o início da idade das trevas na Europa.


Começo dizendo sobre o que não sei. Sei que existe, compreendo, sinto sua presença, mas me é impossível apreender e descrever o mínimo de sua grandiosidade. Isso me lembra Agostinho de Hipona, sobre quem existe um episódio lendário: passeava este à beira-mar, quando encontrou uma criança ocupada a passar, com uma concha, toda a água do oceano para um pequeno buraco cavado na areia.

Diante dessa inócua tentativa, sustentou Agostinho que não seria possível tal operação. Respondeu então a criança, que se revelou ser um anjo, "- Será mais fácil colocar toda a água do mar neste pequeno buraco do que para ti explicar a mínima parcela do mistério da Trindade". Agostinho sequer tinha essa pretensão, suas pesquisas e indagações teológicas não tinham esse espírito, todavia conserva essa lenda um valor simbólico.

Sequer ouso comparar as presentes reflexões às agostinianas, mas confesso de imediato que tenho profunda admiração por Agostinho, que depois de Davi (o rei) tenha sido o mais santo entre todos, inclusive nós - eu e você leitor, (na minha avaliação, é claro), pois foram capazes de reconhecer o pecado e conviver com ele sem quer aniquilá-lo de forma fundamentalista.

Para melhor entender Agostinho, suas dúvidas, seu discurso, suas paixões e seu amor por Floria, sugiro a leitura de VITA BREVIS (a Carta de Floria Emilia para Aurélio Agostinho), de JOSTEIN GAARDER, através do qual você, leitor, entenderá porque admiro Agostinho e porque o considero santo.

SINOPSE: Vita Brevis: Flória Emília amou profundamente Aurel, entregando-se a ele e aos prazeres sensuais em que ele era mestre. Foi sua companheira fiel nas horas difíceis e dele gerou um filho. Doze anos coabitou com ele, embora pertencesse a uma casta inferior e, por isso, fosse malvista pela família de Aurel, sobretudo por sua santa e piedosa mãe. Então, foi abandonada, expulsa de repente, sem nem poder dizer adeus ao amado filho, que nunca mais veria. Mesmo assim, jurou fidelidade eterna a Aurel, a ele que se tornaria exemplo cristão, bispo de Hipona, Padre da Igreja católica, e por fim santo, Santo Agostinho. E agora, Flória Emília escreve-lhe esta carta...(fonte: Livraria Cultura)

Na Folha Ilustrada, de 16/10/1999, o escritor Marcelo Rubens Paiva apresentou uma resenha sobre o lançamento do livro do escritor gaúcho Moacyr Scliar: “A Mulher Que Escreveu a Bíblia” - livro interessantíssivo, que recomendo. Um detalhe interessante me chamou a atenção. Ele apresentou vários autores que se utilizam do seguinte artifício: alguém aparece do nada e entrega os originais de um livro ou de um manuscrito ao narrador. E perguntou se, com tal artifício, o autor ganharia mais liberdade, já que quem escreve não é ele, mas outro.

Confesso que não sei responder. Sei apenas que talvez isso seja realmente um excelente artifício para dobrar o narrador e dar liberdade ao escritor. Fico muito intrigado quando a ficção toma ares de realidade, quando praticamente com ela se confunde. Isto sim me tira o sono. Vejam bem: até hoje o livro Vita Brevis, de Jostein Gaarder, me tira o sono. O narrador encontrou uma carta de Flória Emilia escrita para Santo Agostinho num sebo, em San Telmo, Buenos Aires, na Argentina, e a comprou. Diz-se que tratava de uma caixa vermelha, cheia de manuscritos, com a etiqueta Codex Floriae. Realmente tudo indica que se trata da famosa mãe do filho do Bispo de Hipona. Será isto verdade ou mera ficção? Existe ou não tal Codex Floriae? Ou foi apenas um artifício do autor do famoso "O Mundo de Sofia"?

Já li o Vita Brevis por várias vezes. Cada vez que o pego, fico imaginando o drama interior por qual passou Agostinho, o santo. O texto de Jostein Gaarder é pungente, pois mescla todos os sentimentos possíveis da relação entre o Bispo de Hipona e a Flória numa linguagem simples e coloquial que vai da reflexão madura à erudição refinada, tal como fez Agostinho, nas suas Confissões. Outro livro de Agostinho que merece ser lido e relido é “O Livre-Arbítrio”. Quem fez eu tomar gosto pelos escritos de Agostinho foi o meu irmão Alfred Lamy, que mora em Franca/SP e ele sequer sabe disto. Agora, para iniciar estes escritos, estou devorando "A Trindade", pois começarei pelo princípio: o Gênesis.

" 1 No princípio criou Deus os ceus e a terra. 2 E a terra era vã e vazia, e (havia) escuridação sobre a face do abismo, e o espirito de Deus se movia sobe a face das aguas..."
Bereshit bara Elohim et hashamayim ve'et ha'arets. Veha'arets hayetah tohu vavohu vechoshech al-peney tehom veruach Elohim merachefet al-peney hamayim.

Quarta-feira, Maio 05, 2004

Eclesiastes 4.6