Daniel Feix - Zero Hora
A experiência do artista plástico Alfredo Aquino como autor de livros vem de longe – além de escrever e editar títulos de arte, seus desenhos já ilustraram por exemplo o volume de contos Cartas (2004), de Ignácio Loyola Brandão. Mas sua estréia como ficcionista se deu apenas em 2007, com A Fenda, também este um livro de contos. Carassotaque (2008), que ele autografa hoje, às 18h30min, na Praça de Autógrafos - 54ª Feira do Livro de Porto Alegre, é seu primeiro romance.
ZH – Você é um artista visual, escreve sistematicamente em blog, já publicou contos... O que o levou ao romance? Foi a complexidade do tema – as identidades culturais?
Alfredo Aquino – O livro fala muito do medo, tema universal que toca a todos, que faz parte do nosso cotidiano. Ele tem a haver com a arte contemporânea em geral. Essa questão da identidade é crucial também: ser percebido, ser reconhecido e harmonizar seus valores democraticamente, saber ouvir e também conseguir ser ouvido. Mas, se isso vale para uma pintura, também vale para a literatura.
Escrever é apenas outro modo de expressão, de inventar um mundo de fantasia em que nos identifiquemos, autor e leitor, numa espécie de vertigem. A interpretação que quem lê o livro faz, as identificações multiplicadas, isso é muito rico. Mas acontece também na pintura, nos desenhos...
ZH – Carassotaque tem como protagonista um fotógrafo, ou seja, um artista visual, que vive longe de suas origens. O quanto ele tem da sua experiência e da sua visão de mundo?
Aquino – Alguma coisa. Na verdade, o protagonista é o outro, o que nos chama atenção, o que nos ensina a ver com seu olhar diferente do nosso – diferente do meu próprio olhar. O estrangeiro faz perguntas porque tenta entender o que para ele não faz sentido – aquilo a que nós já estamos acostumados ou até resignados.
Existem situações imaginárias que são de um coletivo, fazem parte do imaginário de muitos de nós. Ocorreu uma publicação de um pequeno trecho de Carassotaque em Portugal, e lá os portugueses se identificaram, então isso mostra a dimensão dessa fantasia coletiva que não é localizada. Nesse universo sugerido, que é um tanto visual também, fica proposto um olhar de imagens, que é onírico, é o dos nossos sonhos, podemos nós mesmos imaginar os cenários, acompanhar os diálogos, nos posicionarmos. Esse livro se escreveu quase sozinho, em muitos momentos eu escrevia como se estivesse lendo, para saber o que iria acontecer. Eu também queria saber para que lado aquela história se conduzia.
ZH – Em que medida as artes visuais influenciam sua literatura?
Aquino – As linguagens são diferentes, mas acontece a mesma coisa, os procedimentos são semelhantes: tento sempre experimentar, inventar um jeito novo de expressar, busco correr riscos, fugir da fórmula conhecida e confortável. É isso o que vale na Arte verdadeira, seja ela a visual ou a literária. Porque fazer o que outros já fizeram? Não faz sentido ser cubista hoje, não faz sentido fazer pastiches de Marcel Duchamp hoje – um grande artista que teve seu apogeu em 1920, 1930, no século passado, quase cem anos atrás... É importante buscar caminhos, ver o que os outros estão fazendo, não para fazer igual, mas justamente tentar um vôo diferente. Sempre existem jeitos e motivações para isso. A literatura é um desafio assombroso...
Publicado em Zero Hora - RS e no ArdoTempo
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