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Numa entrevista de 1976 (Revista "Escrita", nº 13), o escritor
Osman Lins (1924-1978), autor do romance
Avalovara (Companhia das Letras), publicado em 1973 com grande repercussão, faz três observações que sintetizam parte do
imaginário literário daquela década no Brasil: o mercado editorial brasileiro estaria perniciosamente dominado por uma "literatura epidérmica"; a arte contemporânea se equivocava ao "voltar as costas para o cosmos"; e, referindo-se à prosa, diz que o romancista não quer mais iludir o leitor, não propõe um "simulacro da vida", mas "personagens feitos com palavras". Ter esse quadro em mente talvez seja um bom método para reler
A Rainha dos Cárceres da Grécia (Companhia das Letras, 232 pp., R$ 39), do mesmo Osman Lins, agora reeditada. Em forma de diário, um professor propõe-se a comentar o romance inédito, de mesmo título, escrito pela sua ex-mulher, Julia Marquezim Enone. O livro de Julia, por sua vez, conta a história da pobre Maria da França, que tenta, e não consegue, se aposentar pelo INPS. Sob este álibi, a narração faz uma multifacetada colagem de citações, num tom ornamental de ensaio literário. Assim, a obra absorve quase sem refração recortes reais de notícias de jornal, inesgotáveis citações de obras científicas e literárias, com a devida informação bibliográfica em notas de rodapé, e fragmentos teóricos, entremeados aqui e ali por trechos da suposta obra de
Julia. Ao final, uma espécie de delírio sintático-semântico-lexical acaba por corroer qualquer tentativa de fazer do texto um "simulacro da vida" em que o olhar do leitor pudesse concentrar os sentidos.
(Folha de S. Paulo - 9/10/2005 - por Cristovão Tezza) >>
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