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O VIÚVO

Ronaldo Costa Fernandes*

Frases enxutas de clara sintaxe, capítulos breves, tradicionalmente associados à agilidade e à leveza, dissimulam o caos e a desintegração do narrador. Entre um segmento e outro, há falso prenúncio de passagem e de mudança. No entanto, não muda nada. O sujeito que narra é vítima de aprisionamento e vive um distúrbio sem remissão.

Somos jogados no interior do protagonista, no amargurado funcionamento de sua mente, E só aos poucos surgem esclarecimentos mínimos sobre sua profissão e a perda da mulher, possível causa, ou agravante, de sua condição. Na seqüência dos fragmentos, o que se impõe é determinada forma de apreensão da realidade, a particularidade de uma percepção do mundo.

Sem participar efetivamente de nada, nem estabelecer contato real com ninguém, o narrador é sujeito isolado. Emparedado dentro de si mesmo, sua relação com o outro se faz exemplar quanto à única pessoa com quem divide a casa, d. Benedita, figura muito esquisita, misto de empregada e carcereira: “não somos totalmente avessos um ao outro. Há um resto de afeto retorcido, mal constituído e maldito entre nós”.

No processo de dissociação por que passa o sujeito, é o corpo que assume grande importância, como a única constatação possível, quando um eu fluido e esquivo ameaça desintegrar-se: “súbito surge em mim a suspeita de não ser ninguém. A sensação estranha de estar e não estar na sala. Toco em mim, sinto a carne e me alivio”. Em meio a tais sentimentos amargurados, perpassam manifestações de humor cortante: “todos os livros de auto-ajuda falam em olhar as coisas com novos olhos. Parece anúncio de ótica”.

A penosa vivência da dor, a disposição depressiva que acomete esse homem não leva a tal investimento de energia, não lhe permite força de ação: “por que tenho vontade de matar d. Benedita? O que ela me fez? Talvez fosse melhor mudar a pergunta: o que ela representa para mim e que quero eliminar da minha vida? Mas não vou matar d. Benedita. Ela mesma vai murchar, sem seiva, sem adubo, sem flor”. O texto afirma a linguagem como sendo, ao mesmo tempo, espaço de liberdade e de cerceamento.

Um tema árduo, uma experiência que ousa, mas, sobretudo, a relação de maestria do autor com a palavra oferecem ao leitor ingresso em obra nada convencional. Sem filiar-se a tendências predominantes na ficção, O viúvo chama atenção para si, para sua requintada singularidade.

Sobre o Autor

Ronaldo Costa Fernandes: Ronaldo Costa Fernandes ganhou o Prêmio Casas de las Américas com o romance O Morto Solidário, traduzido e publicado em Havana, Cuba, pela mesma Casa de las Américas e, no Brasil, pela editora Revan. Ganhou, entre outros, os prêmios de Revelação de Autor da APCA e o Guimarães Rosa. Na área do ensaio, publicou em 1996, pela editora Sette Letras, o livro O Narrador do romance, prêmio Austreségilo de Athayde, da UBE-RJ. No final de 97, ainda publica o romance Concerto para flauta e martelo, pela editora Revan, finalista do prêmio Jabuti-98. No ano de 1998, edita Terratreme, poesia, livro que recebeu o Prêmio Bolsa de Literatura, pela Fundação Cultural do DF. Durante nove anos dirigiu o Centro de Estudos Brasileiros da Embaixada do Brasil em Caracas. De volta ao Brasil, em 1995, foi Coordenador da Funarte de Brasília até o início de 2003. É Doutor em Literatura pela UnB. Seus últimos livros de poesia são: Terratreme (1998), Andarilho (2000) e Eterno Passageiro (2004).

 

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