RESENHAS
Areias Pretas
Jorge Sá Earp*
A matéria-prima de Jorge Sá Earp são os olhares esquivos, as frases inconclusas, os gestos abortados e as demais senhas de incompletude das relações humanas. As páginas deste livro são povoadas por personagens que buscam perpetuamente, em outras personagens, uma difícil sintonia entre desejos íntimos. Em sua secreta e angustiada coreografia, os personagens executam movimentos às vezes unilaterais, às vezes mútuos - de aproximação ou conquista, mas hesitam, recuam, batem em retirada, arrependem-se, voltam a tentar.
Há um embate permanente entre a sofreguidão e o comedimento, a volúpia e o recato, a idealização do prazer e a realização do medo.
A literatura, em Sá Earp, é a exposição implacável e impiedosa de todas as fantasias que a imaginação pode acumular e de todas as desilusões que a realidade se encarrega de produzir. As vozes que se ouvem, do fundo de seus contos, provêm de uma alma dolorosa que não sabe definir seus desenganos - e, no entanto, não cansa de revisitá-los.
Sá Earp é um investigador desses desenganos, por ele examinados em todos os seus matizes. Esse ambicioso - embora minimalista - objetivo literário não se cumpre pela via fácil do desespero ou da autocomiseração. A melancolia, presente noa maior parte de seus contos, é temperada por um realismo maduro e por uma prosa pausada, introvertida, elíptica, decididamente esvaziada de soluções simplistas. Estamos diante de um artista que controla magistralmente as armadilhas de seu ofício e domina recursos de grande eficácia literária - que muitas vezes evocam, para o prazer dos leitores mais exigentes, a técnica narrativa de Machado (cf. O Cortinado e O Segredo) e a sensibilidade de Svevo(cf. Areias Pretas).
Como a imensa maioria dos escritores desta e de outras terras, Sá Earp não depende da literatura para comer e pagar suas contas. No entanto, escreve por necessidade. Não o faz por capricho, vaidade ou ânsia de prestígio. Escreve por ânsia de vida. Pertence ao rol daqueles raros escritores que precisam buscar, na literatura, o suplemento vital que o cotidiano não pode suprir.
João Inácio Padilha
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Jorge Sá Earp:
Nascido no Rio de Janeiro, em 25 de junho de 1955. Estudou Letras na
PUC/RJ. É diplomata e morou na Polônia, Holanda, Gabão, Bélgica, Romênia e
Equador. Hoje vive em Brasília. Publicou 10 livros nos gêneros poesia,
contos e romance. Recebeu o Prêmio Nestlé de Literatura em 1985 pelo
romance Ponto de Fuga.
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