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Pequena nota lúdica sobre bicicletas, reentrâncias, saliências e prestadoras de celular.
por Efraim Rodrigues
*
publicado em 28/05/2005.
Na semana passada, eu resolvi criar um "dia livre do carro" uma invenção canadense que acontece em Setembro, mas que eu abrasileirei para um dia qualquer em maio mesmo, até porque não tenho a pretensão de convencer, como diz a música.
Se tivesse esta pretensão, falaria sobre a contaminação com chumbo, material particulado, efeito estufa, a quantidade de lixo que os automóveis geram depois que se tornam imprestáveis, e por aí afora. Como este papo, ou vai chover no molhado para a parte consciente da população, ou vai entrar por uma orelha e sair por outra dos alienados, eu nem vou gastar meu tempo com isto.
Eu moro em um lugar mais alto, e o centro da cidade, destino da minha primeira jornada, fica no alto também. No meio, infelizmente, um fundo de vale bem encaixado, com vertentes bem íngremes. Sofri por antecipação e desnecessariamente. A subida, afinal, não demorou mais que uns minutos para passar, e graças às muitas marchas da bicicleta, tinha uma lá que se não me empurrou morro acima, pelo menos ajudou bastante. Bom mesmo é poder ir direto para onde se quer. Poder cortar o pedaço de contra mão pela calçada (já estou antecipando a bronca do prefeito no meu e mail...), não precisar encontrar uma vaga para estacionar. De bicicleta, as preocupações são mais reais. Como eu chego lá, evitando as subidas mais íngremes? Qual o caminho mais curto? De carro, a preocupação está em congestionamentos, quantidade de faróis, enfim, estas subjetividades urbanas sem importância. De bicicleta, você sente a cidade, o relevo, vê a cara das pessoas, faz exercício, faz bem para a cidade e para si próprio!
Andar de bicicleta é naturalmente bem humorado, enquanto o carro deixa a gente mal humorado, bravo, porque este retardado mental que está na frente não anda, porque os faróis estão sincronizados para estarem todos vermelhos (viu, prefeito !...). Ainda melhor que isto, como não há problema em parar, arrumar vaga, trancar o carro, a gente acaba parando mais, conversando com uns amigos que encontra, este tipo de coisa que dá algum mínimo sentido para a vida comezinha que vivemos na cidade.
Mais do que um veículo bem humorado, a bicicleta induz a gente a pensar nas reentrâncias e saliências de onde a gente mora. E depois, a gente termina lembrando que embaixo do concreto, (e também antes dele), tinha a terra, a água, a pedra e o mato. E corriam riachos em algumas destas ladeiras; um dia a cidade nem estava aqui...
Nestas andanças e paranças de bicicleta, acabei encontrando um velho conhecido que come, dorme sonha e acorda com rio, ribeirão, riacho foz, nascentes, curso de água, afluente, leito, margem e todos seus aparentados. E depois de alguns minutos ouvindo minhas reclamações com as subidas, ele desandou a contar sobre os riachos que havia no centro de nossa cidade. Para minha surpresa, havia duas nascentes (entre muitas outras, que a falta de oxigênio no meu cérebro não permite lembrar) uma bem em frente de uma de nossas prestadoras de celular, outra bem em frente da outra prestadora. Mais abaixo na vertente, eles se encontram e formam um ribeirão que passa por baixo de um anfiteatro construído em um local que íngreme que já se parecia com um anfiteatro.
Pois é. A minha cidade é o único lugar do mundo onde as duas prestadoras de celular que se batem por cada migalha do mercado, trabalham juntas para encher um rio de água. Mas elas na verdade não sabem disto. Só sabem aqueles que andam de bicicleta.
Sobre o Autor
Efraim Rodrigues: Efraim Rodrigues, Ph.D. (efraim@efraim.com.br) é doutor pela Universidade de Harvard, Professor Adjunto de Recursos Naturais na Universidade Estadual de Londrina, Consultor do Programa Fodepal da FAO-ONU e Editor da Editora Planta, sem fins lucrativos.< ÚLTIMA PUBLICAÇÃO | TODAS | PRÓXIMA>
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