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O Brasil que Caminha Com Suas Próprias Pernas

por José Aloise Bahia *
publicado em 18/04/2005.

Notícia como esta tem que ser divulgado para o Brasil inteiro. Num exercício de inteligência e coragem, caminhando com as próprias pernas, somente um borracheiro para nos trazer um pouco de esperança. No bom e magnífico sentido do termo: acompanham a novidade, Carlos Drummond de Andrade, Jorge Amado, Rubem Alves, Cervantes, Saramago, Machado de Assis e muita gente boa. Segundo informações até Shakespeare, Nabokov, edições antigas e recentes de jornais e revistas já fazem parte das novas prateleiras. Ao lado, um amplo quadro-negro repleto de mensagens literárias e pensamentos contemporâneos retirados dos mais de 2.500 livros e publicações recebidas. Pasmem: tudo isto num cômodo apertado de um estabelecimento comercial, bem perto de Belo horizonte.

Uma biblioteca dentro de uma borracharia na pequena Sabará, Estado de Minas Gerais. Vou repetir: uma biblioteca dentro de uma borracharia. Numa lição e visão de cidadania, comunhão e empresarial, Marcos Túlio Damascena, 26 anos e universitário, há dois anos, convenceu o pai, também borracheiro, que os livros e os jornais também são importantes no local de trabalho. Onde, antigamente só se viam clientes apressados com os seus carros de pneu furado, atualmente, podemos observar também a presença de adolescentes, estudantes e até universitários da graduação em busca dos volumes que necessitam. Uma idéia genial. Exemplar. Num país, onde os livros custam caro, e existem muito pouco incentivos para a leitura.

Marcos Túlio resolveu compartilhar o prazer da leitura com a comunidade. O resultado deste projeto frutificou. A clientela aumentou. E, a cada dia o acervo aumenta em quantidade e qualidade. Segundo alguns moradores, assinantes regulares de jornais mineiros, após as leituras matutinas, passam na borracharia e deixam as edições para os leitores diversos. O negócio tomou corpo. Existem até cadeiras cativas e filas para ler os jornais, revistas e livros, sejam romances, de contos ou poesia. Os mais espertos levam os seus bancos e tamboretes. Virou um hábito para muitos freqüentar a borracharia.

Borrachalioteca - O grande charme do estabelecimento comercial são as mensagens do dia. Isto mesmo! Mensagem que são escritas em letras de forma, e colocadas no quadro-negro. São mensagens variadas, retiradas de livros, revistas e jornais. Na “borrachalioteca”, como o pessoal da cidade batizou o espaço, tem até gibis, que faz a festa da criançada. Um outro detalhe chama a atenção neste projeto comunitário: os empréstimos de livros não são cobrados. Marcos Túlio só anota o nome, a data e o telefone dos leitores. Quanto às revistas, jornais e impressos, as leituras têm que ser feitas no local.

Pois bem, foi graças à “borrachalioteca” que Marcos Túlio conseguiu agora em 2005 entrar para a Faculdade de Letras de Sabará. A diretoria da escola tão logo soube do projeto, e da notícia que ele tinha passado no vestibular, concedeu-lhe uma bolsa de estudos. A experiência fecunda está rendendo a Marcos Túlio palestras e presenças em programas de rádio e TV em Belo Horizonte. A última delas foi dada na Faculdade de Pedagogia da UFMG.

Eis uma experiência de vida promissora. Uma vocação e desejo que nos aponta uma verdade bem verdadeira: o Brasil legítimo caminha com as próprias pernas. Eis o exercício digno, firme e arrojado da cidadania genuína. A passos firmes e largos, Marcos Túlio dá um exemplo para todos. Principalmente aos políticos e as suas faltas de vontades e imaginações.

Se eu fosse o ministro da cultural convidaria Marcos Túlio para uma visita à Brasília. Creio que o congresso, o executivo e o judiciário têm muito a aprender com este mineiro. Uma lição de cidadania, comunhão, vontade e esperança que parece nos jogar na cara a todo o momento, aquilo que a minha bisavó falava há tempos: “- Zé, o Brasil ainda tem jeito...”.

Sobre o Autor

José Aloise Bahia: José Aloise Bahia nasceu em nove de junho de 1961, na cidade de Bambuí, região do Alto São Francisco, Estado de Minas Gerais. Reside em Belo Horizonte. Tem ensaios, críticas, artigos, crônicas, resenhas e poesias publicadas em diversos jornais, revistas e sites de literatura, arte e imprensa na internet. Pesquisador no campo da comunicação social e interfaces com a literatura, política, estética, imagem e cultura de massa. Estudioso em História das Artes e colecionador de artes plásticas. Sócio fundador e diretor de jornalismo cultural da ALIPOL (Associação Internacional de Literatura de Língua Portuguesa e Outras Linguagens) Estudou economia (UFMG). Graduado em comunicação social e pós-graduado em jornalismo contemporâneo (UNI-BH). Autor de "Pavios Curtos" (poesia, anomelivros, 2004). Participa da antologia poética "O Achamento de Portugal" (anomelivros, 2005), que reúne 40 poetas mineiros e portugueses contemporâneos.


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