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A Seleção da Paraíba

por Paulo da Mata-Machado Júnior *
publicado em 12/03/2005.

Existem pessoas das quais instintivamente gostamos. Elas emitem um não-sei-quê, irradiam uma "aura", possuem uma simpatia natural que faz amigo devotado de cada um que delas se aproxima.

Francisco Arnaud Diniz, o "Chico Arnaud da Paraíba" certamente é uma dessas afortunadas pessoas. Era amigo dele antes mesmo de conhecê-lo pessoalmente, de tanto ouvir falar (bem e muito bem) a seu respeito, por um amigo comum, também paraibano. Valter era meu chefe no trabalho, quando morava ainda no Rio de Janeiro. Conservava fielmente as amizades da sua Paraíba natal, e nenhuma era mais frequentemente citada que o Chico Arnaud. Chico e seus casos, Chico e suas histórias próprias e dos outros.

Anos depois, chegando em Recife onde passaria a trabalhar transferido do Paraná, estava ansioso para encontrar o famoso personagem das histórias do Valter. E por coincidência ele era um dos chefes de divisão da minha Superintendência, ou seja, ia trabalhar comigo!

Entretanto houve um atraso nesse encontro, pois ele estava em licença para tratamento de saúde. Mas logo retornou ao trabalho e em poucos dias era como se fôssemos amigos de longa data. Tornou-se um hábito sairmos pelo menos uma vez por semana, junto com os demais funcionários da Superitendência, para uma conversa amena em torno de umas cervejas e tira-gostos. Chico sempre pontificava, com casos e mais casos do folclore político e outros, da sua querida Paraíba.

Uma das mais engraçadas era a história que segundo ele havia acontecido há muitos anos, com um personagem que ainda era, naquele final da década de setenta, uma espécie de lenda viva em João Pessoa. E que muitos anos antes havia protagonizado um episódio que ficara na memória do povo da valente e antiga Nossa Senhora das Neves: Venelipe, o nome do herói desse caso. Funcionário público estadual, começara servindo cafezinho e executando pequenas tarefas durante anos a fio, até se transformar em instituição popular.

Era a década de quarenta do último século. Pernambuco, o mais rico e maior estado da região, havia conseguido formar uma seleção de futebol praticamente imbatível. Basta dizer que jogavam no time nomes como Orlando e Ademir, ambos mais tarde do esquadrão vascaíno e da Seleção Brasileira de Futebol do ano de 1950.

Mas naqueles dias e ainda no âmbito estadual, o artilheiro do time era o Tará. Famoso a ponto de a torcida organizada ter conseguido e treinado um papagaio que era levado a campo, onde ficava berrando metalicamente, para deleite de uns e profundo desgosto de outros: "gol de Tará! Gol de Tará! Gol de Tará!"

Já na Paraíba a coisa do futebol ainda não engrenara. Tinham alguns jogadores, times etc. mas nada que fizesse sombra ao poderoso vizinho. Eram mesmo um fracasso dentro das quatro linhas do gramado, como gostam de nomear os cronistas e locutores esportivos.

E não foi que um belo dia chegou em João Pessoa a notícia que Pernambuco mandara desafiar o time local para um afrontamento? Beirava o acinte tal desfrute, mas quem ia recusar? Afinal paraibano desprovido de coragem pessoal ainda está para nascer, desde que mundo é mundo e os fenícios foram postos para correr de lá pelas valorosas nações indígenas dos Tupis e Cariris e respectivas tribos dos Tabajaras (muito antes do maestro Severino Araújo "domesticá-los"), Potiguares (os primeiros a comer - pela via oral - um europeu, em 24 de agosto de 1501 - apud "Efemérides Brasileiras" do Barão do Rio Branco) e mais Sucurus, Icós, Pegas e Paiacus.

Mas como eu ia dizendo, os valorosos paraibanos, embora com vontade de fazer um churrasco de pernambucano nos escondidos da Mata do Amém ou do Buraquinho, toparam. Aceitaram o desafio, armaram o time e levaram uma goleada de 15 (QUINZE!) a 0 (ZERO!!). Com vários gols do Tará e seu papagaio infernal, ambos em dia de particular inspiração. O governo estadual até pensou em decretar luto oficial, mas espontaneamente um véu de silêncio, opróbrio e dor cobriu a Paraíba por inteiro, de João Pessoa à Cachoeira dos Índios.

O pior, porém, eu ainda não contei: é que o desafio pernambucano constava na verdade de dois jogos: o primeiro em João Pessoa e o segundo em Recife. E se o desastre tinha sido daquela monta no território natal, que dirá no estrangeiro? E agora? Quem vai? Quem irá cumprir o resto do calvário imposto pelo arrogante vizinho?

Os jogadores, com mais espírito esportivo, acabaram concordando com a excursão. Já a cartolagem, que era igualzinha a de hoje, mudou de assunto e foi cada um cuidar de sua vida. Fugiram todos. Não havia um só que pudesse ser indicado como chefe da delegação que iria a Pernambuco, perder sabe-se lá de quanto no covil dos lobos, na toca da onça, no arraial das cobras criadas. O placar ia ser, com certeza, de uns trinta a zero! "Quero lá saber disso! Filho de minha mãe é que não vai enfiar a mão nessa cumbuca!" "Estou pro sertão, e lá fico todo esse resto de mês e se calhar ainda o outro: não choveu no São José e a seca vem brava!"

Não mais que de repente, do fundo da sala uma voz pronunciou a salvadora palavra:
- Vô.
- Quê? Quem? Como? Quem falou? Foi você, Venelipe?

Era, com efeito, a voz do nosso herói, Venelipe, servente da Secretaria de Saúde do Estado, faz-tudo do Secretário, figura por demais conhecida de toda a Capital, torcedor doente do glorioso Botafogo da Paraíba quem havia falado. E entre o dizer e o fazer, pouco tempo permeou-se. Lá se foi Venelipe à frente da desacreditada Seleção de Futebol da Paraíba, pronto para a imolação definitiva. Todos cumprimentavam o herói, embora à socapa rirem-se do louco, ingênuo e temerário, simples Venelipe que simplesmente ia.

E alguns dias depois, Pernambuco e Paraíba se enfrentam em Recife: o papagaio ficou rouco, o Capibaribe encheu, a rua da Aurora transmudou-se em sombras, Tará ficou ao Deus dará? Não sei. Só se sabe que foi 3 1 para Pernambuco, mas jogo duríssimo, pau a pau, de se dizer, se fosse nos dias de hoje, que o "campeão moral" tinha sido a Paraíba. Esforço, denodo e galhardia compensaram a falta de preparo.

O delírio tomou conta das ruas de João Pessoa, tão logo chegou notícia do acontecido. O povo todo saiu às ruas cantando e folgando como se um carnaval antecipado estivesse acontecendo. Alegria! Alegria! Estavam salvas a pátria e a honra paraibana!

E todos se dirigiram para as portas da cidade, por onde ia chegar a delegação dos heróis. E lá uma comissão especialmente formada para o evento espera a Seleção tendo à frente o líder inconteste, Venelipe, o Magnânimo.

E quando chegam, no meio do delírio de foguetes, apitos, sinos, gritos, sirenes, etc. sobe ao palanque onde está a comissão Carlos Neves da Franca, Tabelião, orador de incontidos arroubos retóricos, figura famosíssima e querida de todos. Dirigindo-se a Venelipe, inchado de orgulho cívico e com a emoção a transbordar brada:

- VENELIPE! Três são os momentos que definiram o Brasil! Três são as palavras que se inscrevem com letras de ouro na historiografia da Pátria Brasileira e ficaram para sempre inscritas no coração e na memória do povo! O FICO! de Dom Pedro Primeiro, o NÉGO! de João Pessoa e o ! de Venelipe!

O palanque quase vem abaixo com os aplausos.

Sobre o Autor

Paulo da Mata-Machado Júnior: Sou mineiro do Rio de Janeiro, das vizinhanças da Praça da Bandeira, rua Mariz e Barros, ao lado do Instituto de Educação, cheio de meninas vestidas de azul e branco / trazendo um sorriso franco / no rostinho encantador: Hospital Gaffrée-Guinle, dezembro de 1942. Antes dos cinco anos virei ilhota, naquele paraíso tropical que era a Ilha do Governador dos anos quarenta: pescava, nadava, andava de bicicleta e nas horas vagas freqüentava com muita má vontade as aulas da escola 5-13 Rotary. E as matinês do Cine Miramar, religiosidade dominical.

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