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Da morte de Suzanne Pleshette e outras conversas entre sobreviventes

por Chico Lopes *
publicado em 12/01/2008.

Uma amiga, freqüentadora das sessões de filmes clássicos e nostálgicos que são promovidas pelo Instituto Moreira Salles - Casa da Cultura de Poços de Caldas, aos domingos, me manda e-mail com notícia da morte da atriz americana Suzanne Pleshette, aos 70 anos.

Não tivesse ela participado no papel da professora que morre atacada pelas aves, sacrificando-se pela vida da irmãzinha do homem que ama em "Os Pássaros", de Hitchcock, creio que a notícia ficaria ainda mais restrita a alguma nota de fundo de jornal. Foi também a bibliotecária que é mal vista numa cidadezinha do interior careta dos EUA e, enfastiada, vai para Roma, onde conhece Troy Donahue, no lembradíssimo (mas menos cultuado pela crítica) "O candelabro italiano", de Delmer Daves.

Seu nome era Prudence, uma piada com sua imprudência ao ler algum livro proibido naquela biblioteca de cidade do interior, que sujara a sua reputação. O filme fez todo mundo amar e chorar naqueles inícios de anos 1960, ao som de "Al-di-lá", com Emilio Perícoli. Suzanne foi casada com Donahue, idolatrado por todas as jovens de então. Ela na garupa da lambreta de Donahue é ícone nostálgico infalível na memória de muita gente.

A notícia me chegou, e a repassei a um amigo cinéfilo que, também do interior de São Paulo, na certa se lembraria de Suzanne. Tomara ele tenha lembrado, e sentido o impacto que eu senti. Foi me dando um certo calafrio pensar que há pouca, pouca gente de meu círculo - geralmente os que estão na minha faixa de cinquentão - capaz de saber quem foi Suzanne.

Tinha cabelos pretos e olhos azuis, combinação muito invejada pelas jovens de então. Mas o rosto, embora suave e bonito, era malicioso, tendia à mordacidade: a moça não era muito dada a bom comportamento, embora romântica. Não teve carreira das mais alentadas e elogiadas no cinema, parece ter ficado restrita a seriados da televisão americana, onde era uma figura conhecida e cultuada.

No Brasil, foi Prudence uma vez e bastou. Talvez representasse uma desafiadora, para os padrões das moças interioranas entediadas e sonhadoras: fez alguma coisa errada em sua cidadezinha, mas conseguiu ir a Roma e fisgar Troy Donahue (ao fundo, o filme trazia ainda o belo canastrão "latin lover" Rossano Brazzi e Angie Dickinson, e, na verdade, "O candelabro..." era eco de dois sucessos do gênero nos anos 1950: "A fonte dos desejos" e "Quando o coração floresce": as americanas de então iam a Roma e encontravam tipos como Brazzi para soltarem um pouco suas puritanas frangas).

À PORTA DE UM VELHO CINEMA

Por uma razão bem óbvia - eu era garoto, e entrava na adolescência, naquela época - jamais consegui me libertar das imagens de então, sempre associadas ao cinema. Em Novo Horizonte, minha cidade natal, o cinema era o Bandeirantes, grande, ocupando toda uma esquina entre as ruas 15 de Novembro e São Sebastião, e com fachada meio sombria, de um verde-escuro, mas, para um moleque, a verdadeira caverna de Ali-Babá, com todos os tesouros espirituais possíveis.

Eu ia para a sua porta pegar as matinês, levando pilhas de gibis sob o braço, para trocar com outros garotos. Via aqueles cartazes todos e sentia vontade de aprender Inglês. Lembro-me de querer ver "Os Pássaros", mas não tinha 14 anos para entrar, e fiquei rondando a porta, ouvindo as gaivotas gritando, esperando que as pessoas saíssem da sessão para que me contassem o que acontecera com aquele posto incendiado etc. Sabia tudo sobre a produção através de revistas. Anos depois, pude ver "Marnie" e os clarões de cor vermelha, sublinhados por música de Bernard Herrmann, apavorando a heroína, me apavoraram também.

Vi muitas coisas, naqueles anos. Mas as lembranças mais caras são essas de filmes de Hitchcock pela Universal ou dos "filmes de amor" - que, como moleque, eu era obrigado a desprezar em aparência - como "O candelabro..." Eram filmes para as mulheres derramarem lágrimas e isso não era coisa lá muito digna para um embrião de homem adulto que usava as primeiras calças compridas. Era preciso chorar escondido.

John Gavin, Sandra Dee, Anthony Perkins, Donahue, Lee Remick, Doris Day, eram caras populares, naquela época. E Pleshette, claro, até pelo fato de não ser loura como as outras. Eu era leitor ávido de "Filmelândia" e "Cinelândia", colecionava figurinhas de astros e filmes e sabia de tudo. Não saía daquela porta para olhar os cartazes, achando que meu liame com o Mundo era o cinema, nada mais. Uma cortina bordô pesada se abria para a sala de projeção, e o filme era antecedido pela trilha sonora de "Se meu apartamento falasse" ou de "Amores clandestinos", enquanto chupávamos as balas compradas numa "bomboniére" que parecia de um luxo absurdo. O sonho não tinha limites. E o sonho era, no mais das vezes, americano.

Naturalmente, a passagem dos anos faz com que falar dessas coisas se pareça um tanto com falar de fantasmas a sobreviventes de uma era morta. Para os mais jovens, que apreciam cinema, ainda é possível, usando o exemplo do "Cinema Paradiso" de Tornatore, contar da importância mágica, quase transcendental, que as casas de exibição tinham no interior. Mas, é difícil, em se tratando de atores menos conhecidos, como Pleshette, tentar traduzir por que e o quê exatamente seus rostos representavam para nós. Só os que viveram, sabem. E mesmo alguns desses andam esquecidos, tanto sua vida se inclinou para outras direções, tantos outros filmes se sobrepuseram sobre aqueles, em sessões que foram ficando incertas e embaralhadas na memória.

Só sei que a notícia me entristeceu. Como se mais um pedaço de uma ilha mágica houvesse sido engolfado por esse continente, bem mais ingrato, do mundo real. Até que o engolfamento seja completo, no entanto, teremos que ouvir ainda mais notícias tristes. Outras Suzannes morrerão, outros velhos cinemas do interior (desnecessário dizer que faz muitos anos o meu Bandeirantes não existe mais) desaparecerão, e ficará difícil darmos testemunhas de experiências objetivas cada vez mais subjetivas e apagadas. As coisas todas haverão de desaparecer, e nós com elas, e balbuciaremos seus nomes, suas cores, sua precisa situação no tempo e no espaço para outros sobreviventes meio desmemoriados que ora se lembrarão parcialmente ora não se lembrarão mais.

Sobre o Autor

Chico Lopes: Chico Lopes é autor de dois livros de contos, "Nó de sombras" (2000) e "Dobras da noite" (2004) publicados pelo IMS/SP. Participou de antologias como "Cenas da favela" (Geração Editorial/Ediouro, 2007) e teve contos publicados em revistas como a "Cult" e "Pesquisa". Também é tradutor de sucessos como "Maligna" (Gregory Maguire) e "Morto até o anoitecer" (Charlaine Harris) e possui vários livros inéditos de contos, novelas, poesia e ensaios.

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Francisco Carlos Lopes
Rua Guido Borim Filho, 450
CEP 37706 062 - Poços de Caldas - MG

Email: franlopes54@terra.com.br

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