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A maior piscina do mundo
por Pablo Morenno
*
publicado em 12/12/2007.
Foi o que disse a menina, quatro ou cinco anos, enquanto a família tirava do carro cadeira e guarda-sol, e a tia lhe passava protetor solar, e a vó teimando em ir de calça comprida. A trinta metros estava o mar da Praia de Ingleses.
O que há de melhor no Ano Novo é o exercício da esperança. De minha parte, acho esta festa melhor do que o Natal. O Natal tem um clima propício para a falsidade, obrigação de dar presentes para familiares de quem não gostamos, ou fazer caridade para o porteiro do prédio e a empregada doméstica. Ninguém consegue fugir do constrangimento de colaborar com o Natal dos papeleiros ou dos garis, ou arrecadar dinheiro para uma creche. Mesmo quem nunca foi solidário se vê obrigado, de uma hora para outra, a ter bom coração. Nada pior que coação à bondade.
O Ano Novo, por ser uma festa mais pagã, nos libera de obrigações da consciência. È uma festa da vida por si mesma, da passagem natural das estações. Mais amigos e menos parentes chatos, a praia ao invés das igrejas. Ademais, contrário de um “Feliz Natal” que serve apenas para um dia, desejamos “Feliz Ano Novo” com a obrigação de ajudarmos a tornar feliz doze meses. Ou seja, os desejos de Ano Novo devem ser, no mínimo, trezentos e sessenta e cinco vezes mais intensos que os de Natal. Isso se o ano não for bissexto, caso em que será preciso uma intensidade maior ainda.
Outra vantagem do Ano Novo é que os desejos são mais realistas, “paz e dinheiro no bolso, saúde pra dar e vender”. Embora a paz venha em primeiro lugar no pedido, coisa que no mundo nunca acontece, segue o dinheiro no bolso, e saúde, pra dar e “vender”. Combina muito mais com o espírito do capitalismo. E vêm lá os desejos reais: um automóvel, um emprego, a casa nova, concluir a faculdade, um parceiro para sexo e... amor.
Por fim, Ano Novo é menos ridículo. Não aparece um personagem gordo num tempo de dietas, nem há árvores de Natal com algodão ou bolinhas de isopor num calor de quarenta graus.
Como tudo, o Ano Novo tem lá seus inconvenientes. Será preciso imaginar formas de ganhar dinheiro de modo mais rápido e eficiente, além de precisarmos dos porteiros, das faxineiras, dos catadores de papel. Quem se preocupa com em ganhar dinheiro não pode cuidar da portaria do prédio, lavar a roupa, ou gastar tempo com faxina da casa ou da cidade. Assim, mesmo não querendo, seremos conduzidos a dezembro do próximo ano, com o castigo de sermos solidários e benevolentes outra vez.
A menina da Praia de Ingleses toma seu baldinho, pega na mão do pai, e segue para a beira-mar pela primeira vez. Segui atrás, cheio de expectativas para a colheita de alguma frase desconcertante quando ela visse o oceano. Mas a criança, sem deslumbramentos, quase como eu ante tantas esperanças de Ano Novo, olha para o pai e resmunga:
“ Pai, é essa mesmo a piscina maior que existe?”
Sobre o Autor
Pablo Morenno: Pablo Morenno nasceu em 21.05.1969, em Belmonte, SC, e mora em Passo Fundo, RS. É licenciado em Filosofia e bacharel em Direito. Também é professor de Espanhol em cursinhos pré-vestibular, músico e servidor público federal do Tribunal Regional do Trabalho/4ª Região, e pinta nas horas vagas. Escreve uma coluna semanal de crônicas no jornal O Nacional, de Passo Fundo RS, e Nossa Cidade de Marau-RS. Colabora com os jornais Zero Hora, Direito e Avesso, e com sites de leitura e literatura. É Membro da Academia Passofundense de Letras, ocupando a cadeira cujo patrono é Érico Veríssimo. Como animador cultural e escritor, participa de projetos de leitura do IEL- Instituto Estadual do Livro do RS e de eventos literários no Rio grande do Sul e Santa Catarina. Com suas palestras interdisciplinares e descontraídas, utilizando-se de histórias e da música, conversa com crianças, jovens, pais, professores e idosos sobre a importância da leitura e da arte na vida.Livros publicados: POR QUE OS HOMENS NÃO VOAM? Crônicas, WS Editor e MENINO ESQUISITO, Poesia Infantil, WS Editor. Contato com o Autor: Pablo Morenno
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