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Marta, Rita, Joanna, Anna ou Maria?

por Ademir Pascale Cardoso *
publicado em 11/08/2007.

O ano era 1327. Nosso trajeto seria tortuoso, se não fosse as belas e sábias palavras que meu mestre pronunciava em todos os momentos que percebia em minha face, a tristeza e a fadiga pairando. No trajeto, sempre pensava que a qualquer momento, chegaria ao abismo do fim do mundo, mas ao contemplar o horizonte, percebia que este fim estava longe, muito longe. Estávamos há 22 dias nesta jornada. Meu mestre dizia que faltavam poucos dias para chegar no escuro norte da Itália, três dias talvez, e que todos os irmãos da ordem Beneditina, nos aguardavam com grande fervor em uma abadia assombrada pelos demônios... O nome da abadia? Não me parece zeloso e prudente proferir, nem em pensamentos... Meu mestre já fora um membro do Santo Ofício, um grande Inquisidor, mas por motivos que não valem a pena citar, desmembrou-se e se tornou em um grande estudioso da ética, política, metafísica, teorias do conhecimento, Sócrates, Platão, Aristóteles e ocultamente, das artes das ciências ocultas, consideradas profanas pela igreja e principalmente, pelo Papa Clemente V.

Naquela época, eu ainda era um jovem noviço que esbanjava vitalidade e enchia meu mestre de perguntas fáceis e insólitas. Hoje, aos 82 anos, sou um velho cronista que ao contrário de minha juventude, quando esperava encontrar o abismo do fim do mundo, vislumbro o horizonte apenas tentando descobrir quantos dias mais terei de vida. Mas antes que este dia chegue, lembrarei mais uma vez da face daquela linda e pobre jovem, que me fez experimentar uma sensação de ternura, calor interno, paixão, simplicidade, carinho, prazer e experiências carnais... Àquele rosto é o único que me lembro com tamanha perfeição e, mesmo não pronunciando sábias palavras como as de meu mestre, sua fala era bela, mesmo que ininteligível e, muitas vezes, elaboradas por gestos, gestos graciosos e delicados. Seu belo rosto não era tão limpo como os das jovens de minha terra natal e, suas vestimentas mais se pareciam com trapos, mas seu espírito era tão poderoso, que ao longe, o brilho de sua alma parecia iluminar e aquecer todo o meu corpo como um pequeno sol. Àquela foi a melhor lembrança de toda a minha vida e até hoje, agradeço pelo pai misericordioso, pelo presente dado a este humilde ser franciscano.

Devido ao grande campo aberto e arejado, meu mestre resolvera acampar em um local próximo da aldeia da bela jovem. Naquelas horas, enquanto preparávamos o local para passar a noite, pude notar com falta de primor, o cotidiano daqueles pobres camponeses. Não conseguia entender por que razão eram tão pobres, mas tão radiantes e felizes. Hoje, entendo a razão daquela felicidade, pois as coisas mais belas da vida, estão na simplicidade, no trabalho e na ternura dos pobres de vestimentas, mas ricos de espírito. Sábio foi meu mestre, que abandonou sua riqueza pelo tesouro da sabedoria, pois esta última é eterna, imprópria para os ladrões. Nestes dias, me considero um dos homens mais ricos deste mundo e, parte desta riqueza, foi a herança que meu mestre me deixara, a sabedoria dos inúmeros livros que devorou, tornando-me em uma das maiores bibliotecas vivas da cristandade, pois sábio és aquele que sabe distinguir a verdadeira riqueza.

Passamos a noite naquele local. Meu mestre leu, talvez pela milésima vez, O Mito da Caverna de Sócrates e, logo após, alguns manuscritos do filósofo pré-socrático,

Heráclito de Éfeso, mas, não pude absorver toda a leitura, pois grande parte dos meus pensamentos, estavam voltados para a bela e radiante garota camponesa.

Pouco tempo depois, acendemos uma simplória fogueira e enquanto esquentávamos nossos cansados corpos, assamos dois galetos. Ao longe, notava uma inquieta figura atrás das árvores e, pela sua delicada e pequena estatura, imaginava que seria a doce e meiga camponesa. Após suprirmos de nossas necessidades, meu mestre finalmente adormeceu. A delicada figura estava cada vez mais próxima de nós, mas, talvez por medo que meu mestre acordasse, recuava em passos curtos. Felizmente, meu mestre não notara que eu tinha guardado parte do galeto em uma pequena trouxa que já continha dois pães. Silencioso como a neblina da noite, caminhei em direção a pequena figura ainda atrás das árvores. Meu coração estava acelerado, sentia o rosto quente e as pernas pesadas, mas, mesmo assim, não hesitei em caminhar e me aproximar daquela que, por poucos minutos, me fez quase despersuadir do caminho que trilharia até os dias de hoje. A experiência foi única e nunca me arrependi de tê-la feito.

Ao amanhecer, meu mestre me olhava com certa desconfiança, sabido, parecia que nada poderia ser escondido daquele homem. Enquanto arrumávamos nossas coisas para continuarmos nossa jornada, decidi me confessar e quando gesticulei em dizer algo, meu mestre fez sinal de silêncio, pos a pesada mão sobre meu ombro, olhou no fundo dos meus olhos e disse:

– Por que tu achas que acampamos aqui?

Dei apenas um sorriso, enfim, depois de Jesus, aquele seria o melhor mestre e amigo que alguém poderia ter.

Chegou o momento de partirmos e, ao cavalgarmos alguns metros, a linda camponesa, quase que estática, me aguardava timidamente. Parei por um momento e contemplei seu belo e delicado rosto e, naquele momento, descobri que Deus também era um grande escultor. Meu mestre notou a cena, mas não aguardou, continuou cavalgando e, antes de sumir no horizonte, resolvi seguí-lo, deixando para trás, uma jovem em prantos.

Não me arrependi de ter seguido meu mestre, pois tinha muito que aprender e, além disso, a jovem camponesa nunca me abandonou, permaneceu em meus pensamentos até os dias de hoje, por mais de 60 anos.

Às vezes, tento imaginar qual seria seu real nome: Marta, Rita, Joanna, Anna ou Maria? Os pseudônimos me acompanhavam durante todas as noites, mas não saberia dizer se tal ser seria dotado de um simples nome. Esse foi o único fardo que carreguei ao longo destas décadas, ou dúvida, se assim achar melhor dizer. As outras perguntas fáceis e insólitas foram supridas ao longo dos anos, pois meu mestre me mostrou as portas do conhecimento.

*Conto inspirado no longa-metragem O Nome da Rosa (1986 - 20th Century Fox Film Corporation).

*Este conto é parte integrante da obra que o autor está concluindo, intitulada "Heterônimos & Pseudônimos - Em busca do eu Interior"

Sobre o Autor

Ademir Pascale Cardoso: Crítico de cinema e editor do Portal Cranik, Ademir Pascale, é criador de um projeto de inclusão social e cultural, intitulado “Vá ao cinema!”, o qual já beneficiou mais de 5 mil e quinhentas pessoas de baixa-renda de todo o Brasil com o acesso gratuito às salas de cinema. Idealizador e Editor do Portal Cultural Cranik “www.cranik.com” desde 2003, é também crítico de cinema e coordena uma equipe de jornalistas e estudantes da área de comunicação social em seu portal ( http://www.cranik.com/equipe_cranik.html ), colunista de diversos sites culturais, Ademir Pascale é também um dos grandes divulgadores da sétima arte e do incentivo à leitura no Brasil, possuindo parceria com as maiores distribuidoras de filmes e editoras, o qual disponibiliza concursos culturais em seu Portal, incentivando a leitura e a ida ao cinema. O Editor já foi aluno de alguns dos maiores cineastas da América Latina, como: Paulo Betti, Guilherme de Almeida Prado, Toni Venturi, Imara Reis, André Sturm, Fernando Bonassi, Vera Hamburger, Lina Chamie, De Blasiis, Kátia Coelho, entre outros, além de ter concluído seu curso de roteiro para cinema com o conceituado autor e produtor norte-americano “Hugo Moss”.

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