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O ataque à ONU em Bagdá
por André Carlos Salzano Masini
*
publicado em 27/08/2003.
Todos ficamos chocados com essa morte estúpida e precoce de nosso compatriota, principalmente pelo fato de ele ter sido um homem que sempre esteve ao lado da paz e do respeito aos povos, que sempre se opôs à ocupação do Iraque, que sempre se referiu àquele país com profundo respeito. Um atentado com tal violência nos causa indignação, e nos parece não apenas um ato fanático, mas uma loucura quase incompreensível.
Porém, apesar dessa indignação, devemos ter cuidado antes de formar um julgamento sobre as pessoas e facções envolvidas no episódio. É necessário antes compreender que do ponto de vista do povo iraquiano as coisas se mostram bem diferentes do que se mostram a nós.
A nossos olhos, a ONU parece uma organização acima de qualquer crítica; um fórum que congrega a maior parte dos países do mundo e que se materializa na figura de pessoas dignas como seu secretário-geral Kofi Annan ou o próprio Vieira de Mello; uma entidade multilateral e democrática; talvez nossa única esperança de que o mundo possa algum dia ser um pouco melhor.
Tendo em mente essa ONU, é difícil sequer conceber que alguém possa atacá-la. Mas a questão é que a ONU atacada não foi essa.
A única ONU que existe para o povo iraquiano é a que impôs as sanções econômicas que paralisaram o país em 1990, sanções que causaram a morte de centenas de milhares de crianças por desnutrição e aleijaram o sistema de defesa preparando o terreno para a invasão estadunidense.
Depois de padecerem 13 anos de privações e verem arder suas cidades em chamas, falar ao povo iraquiano em uma ONU benigna é falar de um devaneio impalpável.
E, subjetivismos à parte, o papel da ONU no Iraque foi, no mínimo, duvidoso. Se as sanções por si próprias já eram eticamente questionáveis, a ocupação estadunidense colocou a ONU no papel do cúmplice que imobiliza a vítima para que o estuprador faça seu serviço.
Hoje, diante das violentas e inevitáveis reações à invasão, que atitude devemos nós (os outros países, a ONU) tomar? Devemos nos interpor entre agressor e vítima, tentando aplacar a fúria desta?
Ao decidir tomar tal atitude, não deveríamos estranhar que a vítima acabasse nos confundindo com o agressor.
Afinal, não foram os EUA que unilateralmente decidiram invadir, enfraquecendo a ONU e desdenhando a opinião internacional? Não foram os EUA que forçaram essa guerra embrulhando-a em "motivos" que hoje sabemos falsos?
O que então está a ONU fazendo no Iraque hoje?
É uma pergunta que merece profunda reflexão.
Para mostrar aos iraquianos que sua intenção nunca foi entregá-los nas mãos de invasores, não seria melhor a ONU negar-se a compactuar com qualquer ação dos EUA naquele país? Retirar-se de lá, entregando a ajuda humanitária nas mãos de organizações de caráter exclusivamente filantrópico?
Por que não deixar que o invasor colha sozinho os frutos do que plantou?
Nessas circunstâncias, não devemos dirigir nossa indignação apenas contra o autor do atentado – Fedain, partido Baath, xiitas, sunitas, Al Qaeda, ou quem quer que seja – pois as verdadeiras causas dessa violência são bem conhecidas e não estão no Iraque, estão em Washington. É para lá que o principal dessa conta deve ser mandado.
O Iraque tem divisões e desavenças seculares que dificilmente compreenderíamos, mas que permanecerão latentes enquanto durar a luta contra o inimigo maior: a força de ocupação estrangeira. Como disse Robert Fisk: "a guerra de Bush pode ter acabado, mas a dos Iraquianos está apenas começando". Aos bem intencionados: é melhor manter distância (do conflito e do petróleo)!
É uma amarga ironia que esse cenário torpe tenha custado a vida de alguém como Vieira de Mello, pessoa de real grandeza de alma e de intenções sinceras, distinto da afetação e hipocrisia que ordinariamente se encontram no mundo político.
Qualquer lição que se possa tirar desse episódio terá sido muito pouco, pelo terrível preço pago. Mas os que imaginam homenagear a memória de Vieira de Mello teimando em manter a presença da ONU no Iraque deveriam pensar duas vezes. Na atual conjuntura, essa insistência não ajudará nem as vítimas, nem a própria ONU.
Sobre o Autor
André Carlos Salzano Masini: André C S Masini nasceu em São Paulo, em 1960. Aos 17 anos escreveu sua primeira história de ficção científica, "Os montes além do deserto", que existe até hoje em manuscrito. Cursou Geologia na USP, e formou-se em 1983.Hoje tem dois livros publicados: a ficção científica "Humanos" e o livro de traduções e estudos “Pequena Coletânea de Poesias de Língua Inglesa”, além disso tem uma coluna semanal no Jornal "O Paraná", e é diretor de um centro cultural virtual, a www.casadacultura.org, que divulga seus trabalhos e tem milhares de assinantes em todo o Brasil.
contato: andre@casadacultura.org
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