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O desafio amazônico
por Leonardo Boff
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publicado em 21/02/2007.
A Amazônia abriga o maior patrimônio hídrico e genético do Planeta. De um de nossos melhores estudiosos, Eneas Salati, sabemos:"Em poucos hectares da floresta amzônica existe um número de espécies de plantas e de insetos maior que em toda a flora e fauna da Europa". Mas esta floresta luxuriante é extremamente frágil, pois se ergue sobre um dos solos mais pobres e lixiviados da Terra. Se não controlarmos o desmatamento, em dezenas de anos, a Amazônia pode se transformar numa imensa savana.
Ela não é terra virgem e intocável. Em milhares de anos, dezenas de povos indígenas que ali viveram e vivem, atuaram como verdadeiros ecologistas. Grande parte de toda floresta amazônica, especialmente de várzea, foi manejada pelos índios, promovendo "ilhas de recursos", criando condições favoráveis para o desenvolvimento de espécies vegetais úteis como o babaçu, a palmeira, o bambu, os bosques de castanheiras e frutas de toda espécie, plantadas ou cuidadas para si e para aqueles que, por ventura, por lá passassem. As famosas "terras pretas de índios" remetem para esse manejo.
A idéia de que o índio é genuinamente natural, representa uma ecologização errônea dele, fruto do imaginário urbano, fatigado pela artificialização da vida. Ele é um ser cultural. Como atesta o antropólogo Viveiros de Castro:"A Amazônia que vemos hoje é a que resultou de séculos de intervenção social, assim como as sociedades que ali vivem são resultado de séculos de convivência com a Amazônia". O mesmo diz Evaristo Eduardo de Miranda em seu instrutivo livro "Quando o Amazonas corria para o Pacífico" (Vozes 2007): "Resta pouca natureza intocada e não alterada pelos humanos na Amazônia". Por 1.100 anos os tupi-guarani dominaram vastíssimo território que ia dos contrafortes andinos do rio Amazonas até as bacias do Paraguai e do Paraná.
Indio e floresta, portanto, se condicionam mutuamente. As relações não são naturais mas culturais, numa teia intrincada de reciprocidades. Eles sentem e vêem a natureza como parte de sua sociedade e cultura, como prolongamento de seu corpo pessoal e social. Para eles a natureza é um sujeito vivo e carregado de intencionalidades. Não é como para nós modernos, algo objetal, mudo e sem espírito. A natureza fala e o indígena entende sua voz e mensagem. Por isso ele está sempre auscultando a natureza e se adequando a ela num jogo complexo de inter-retro-relações. Encontraram um sutil equilíbrio sócio-cósmico e uma integração dinâmica, embora houvesse também guerras e verdadeiros extermínios como aqueles dos sambaquieiros e de outras tribos.
Mas há sábias lições que precisamos aprender deles face às atuais ameaças ambientais. Importa entender a Terra, não como algo inerte, com recursos ilimitados, disponíveis ao nosso bel prazer. Mas como algo vivo, a Mãe do índio a ser respeitada em sua integridade. Se uma árvore é derrubada, faz-se um rito de desculpa para resgatar a aliança de amizade. Precisamos de uma relação sinfônica com a comunidade de vida, pois como foi comprovado, Gaia já ultrapassou seu limite de suportabilidade. Se deixarmos as coisas correrem e não fizermos nada as ameaças se tornarão devastadora realidade.
Sobre o Autor
Leonardo Boff: Leonardo Boff nasceu em Concórdia, Santa Catarina, aos 14 de dezembro de 1938. É neto de imigrantes italianos da região do Veneto, vindos para o Rio Grande do Sul no final do século XIX.Fez seus estudos primários e secundários em Concórdia-SC, Rio Negro-PR e Agudos-SP. Cursou Filosofia em Curitiba-PR e Teologia em Petrópolis-RJ. Doutorou-se em Teologia e Filosofia na Universidade de Munique-Alemanha, em 1970. Ingressou na Ordem dos Frades Menores, franciscanos, em 1959.Durante 22 anos, foi professor de Teologia Sistemática e Ecumênica em Petrópolis, no Instituto Teológico Franciscano. Professor de Teologia e Espiritualidade em vários centros de estudo e universidades no Brasil e no exterior, além de professor-visitante nas universidades de Lisboa (Portugal), Salamanca (Espanha), Harvard (EUA), Basel (Suíça) e Heidelberg (Alemanha).
É doutor honoris causa em Política pela universidade de Turim (Itália) e em Teologia pela universidade de Lund (Suécia), tendo ainda sido agraciado com vários prêmios no Brasil e no exterior, por causa de sua luta em favor dos fracos, dos oprimidos e marginalizados e dos Direitos Humanos.
De 1970 a 1985, participou do conselho editorial da Editora Vozes. Neste período, fez parte da coordenação da publicação da coleção "Teologia e Libertação" e da edição das obras completas de C. G. Jung. Foi redator da Revista Eclesiástica Brasileira (1970-1984), da Revista de Cultura Vozes (1984-1992) e da Revista Internacional Concilium (1970-1995).
É autor de mais de 60 livros nas áreas de Teologia, Espiritualidade, Filosofia, Antropologia e Mística. A maioria de sua obra está traduzida nos principais idiomas modernos.
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