Com uma voz macia e meiga, Sebastiana responde a todas as perguntas com o maior interesse, sem quaisquer embaraços ou hesitações. Sente calor. Veste roupas leves como sempre. Quem não a conhece? Sua imagem é como outdoor à margem da estrada; todos a conhecem; inclusive aquela tatuagem no púbis é pública. Ah, bela fada, use a sua mágica varinha e abra os ouvidos de quem a rodeia. Por que ninguém a ouve ou presta atenção no que ela sente ou diz?
Consolada, solícita, ela me diz que a maioria das pessoas "olha para mim e não escuta o que estou falando". "Já estou acostumada". Calmamente explica-me que tem plena consciência que a sua imagem grita e abafa o som da sua voz.
Do celular pede para que ligue direito ao aparelho fixo. Enquanto com ela falo - esqueço o que aprendi na psicanálise -, dou uma gugada no seu nome e aparecem na tela mais de duzentos e oitenta mil páginas e mais de trinta e cinco mil imagens disponíveis na internet. Fazer o quê se os paparazzos, os fotógrafos de plantão, estão sempre atentos a todo e qualquer movimento seu. É obvio que vai ter alguma foto sua "pagando calcinha" ou "pagando peitinho".
Contudo, ela é desinibida - não cobre mais do que vinte por cento do corpo - e nem poupa de quem quer que seja o privilégio da visão do paraíso. Pelas teias da web, dá-nos a entender que estaremos sempre diante da personagem por ela vivida; contudo, embora neste mundo pós-moderno também contracene com a personagem, quero mesmo é saber o que pensa a atriz. As nuances da sua persona já estão todas presas nas teias da web pela grande aranha. O que diz e sente a atriz Nana Gouvêa? "É óbvio que quero ser conhecida pelo talento e pela inteligência".
Em pleno vigor dos seus trinta e poucos anos, ela está feliz com o seu corpo, permitindo-se ser fotografada e vista com orgulho e prazer. "Sou feliz comigo, adoro ser assim, adoro ser fotografada, me adoro, estou cada dia mais gostosa". Ela não deixa de viver em razão do que os outros pensam. "Vivo o que me dá prazer".
No seu último ensaio fotográfico - estou online - ela declarou que não consegue "viver sem meditação, sem livros, sem praia, sem família e sem um chamego". Eu sequer imaginava que ela gostasse de ler. "Estou sempre com um livro na mão, seja quando viajo ou na praia. E as pessoas me dizem, você é tão triste. Não, ao contrário, este é o mais alto grau de felicidade para mim". E Ela continua, "em casa tem livros para todo lado".
Vou à veia. Ela tem veia bailarina, aquela que dança. "Nana, o que você está lendo?" De pronto, "dez livros, tudo ao mesmo tempo". "Mas, quais? Eu quero saber". Ela relaciona vários. "Onde existe luz" é o primeiro deles. Com serenidade, explica-me que é baseado no pensamento de Paramahansa Yogananda e que ensina como enfrentar as adversidades. Outro é "O amor venceu", um romance mediúnico psicografado por Zibia Gasparetto a partir do espírito Lucius. Lê "tudo ao mesmo tempo", um sobre ioga, "A vida no planeta Marte e os Discos Voadores", do espírito Ramatis, e outro do Godinho.
Dá um descanso às sinapses do meu cérebro quanto traz à baila " A Cabana ". Um livro que enquanto "você lê, você faz uma oração, é uma conversa com Deus, você não precisa fazer o Pai Nosso, porque você já leu A Cabana". Sebastiana não quer convencer-me de nada, como fazem outros, apenas fala-me como vive sua espiritualidade. Sua fala sobre A Cabana faz-me lembrar do papa alemão em Auschivitz, quando fez aquela inevitável pergunta - semelhante ao bilhete encontrado na cabana - "Se Deus é tão poderoso, por que não faz nada para amenizar nosso sofrimento"? Silenciosamente, pensei comigo, "será que o papa leu A Cabana?".
Ela também lê a Bíblia, "o mais fantástico de todos, mas sem o pieguismo da religiosidade". Como se fosse preciso, ela se apressa em dizer-me: "Não sou uma beata".
Indica-me o clássico espírita "A vida no mundo espiritual", psicografado por Chico Xavier. Fui delicado, "talvez leia". Pergunto-lhe se leu algum livro do Paulo Coelho. "Todos", abruptamente. Eu queria indicar-lhe "Onze minutos", o único do Paulo Coelho que consegui atravessar as vinte primeiras páginas.
Indago sobre seu hábito de leitura; ela é transparente e verdadeira, "a leitura é uma ligação para um amigo querido; quando canso, fecho o livro. Quando leio vivo intensamente uma história com um amigo querido, sem invadir minha vida. Livros são amigos, são vários amigos... tudo ao mesmo tempo".
Então, fala-me que "passa o dia em silêncio, sem tv, sem rádio, e ouve apenas uma trilha sonora para meditação". Ela curte meditação. É verdade, ela não vive sem meditação. "Só me faz bem, curou minha dor de cabeça", fala com sentimento de gratidão aos exercícios de meditação. "Pratico-os diariamente, aprendi faz quatro anos. Eu frequento a Casa Padre Pio, um lugar eclético, com muita diversidade, tem origami, tem cabala". Mas ela é kardecista, "batizada no kardecismo", ela fala confirmando.
No meu computador, leio a notícia de que " Nana Gouvêa se vestiu de caipirinha sexy e vendeu beijos na festa julina da Casa de Padre Pio, no Jardim Botânico, Zona Sul do Rio". Sim, "todas às segundas-feiras medito e assisto às palestras no Padre Pio".
Fala-me ainda que é da roça - eu sei bem o que é isto. "Nasci em Jataí, vivi minha adolescência em Uberlândia". Aos onze anos começou a fazer comerciais e fotos publicitárias. Diz-me que nas férias sempre ia para Goiás. "Minhas férias em Jataí eram prazerosas, meus maiores prazeres eram buscar ovo no galinheiro, subir em árvores, cavalgar e tomar banho nas cachoeiras até o escurecer". Quem fala deste passado é Sebastiana, que é atriz, "doa a quem doer", e que interpreta muitíssimo bem a sua personagem, seja na televisão ou desfilando no carnaval, posando nua para revistas ou fazendo fotos para o paparazzo.
Diz-me logo que o trabalho feito pela Autumn Sonnichsen - fotógrafa americana - não representa a sua pessoa - a Sebastiana - , é um trabalho totalmente profissional, um trabalho de representação, onde interpreta uma mulher com hábitos noturnos, o que ela garante não ter. "Não tenho hábito noturno, saio à noite apenas para compromissos profissionais".
Concluo que as fotos da Autumm também não destacam as características da sua persona " Nana Gouvêa ". Parece-me representar algo além da pessoa e da persona, interpreta outra personagem. Agora, as fotos do último ensaio "retratam o meu momento atual", uma mulher que "curte a praia" - um dos seus maiores prazeres - e com habilidades de interpretação suficientes para caminhar sobre o fio da navalha, o limiar da nudez artística. Na sequência, fala-me sobre cinema, ouço a atriz falando com desejo, "fiz pouco, mas tenho muita vontade de fazer mais", "por que gosto da estrutura" do cinema.
Já o teatro não lhe apetece tanto assim, porque "é como casamento, ele prende muito. Já estou me desligando de tudo aquilo que me prende". Sempre foi rainha de bateria de escola de samba. Ela fala que "por mais de dez anos sempre vivi esta personagem, esta grande peça de teatro". Filosofa sobre sua relação com as escolas, "hoje tenho uma relação livre com a escola de samba". E completa: "vou ser sempre rainha". Não foi preciso perguntar sobre sua relação com a televisão, ela emendou "gosto de tv, sem tabus, acho delicioso fazer tv, adoro chegar ao Projac para gravar".
Fosse possível, ficaríamos horas e horas conversando; mas, enfim, termino com uma pergunta simples, "qual é o seu segredo?" Ela responde, sem nada esconder: "não como carne vermelha".
Óbvio, parece-me que o segredo daquela menina que deixou Minas e Goiás - talvez temesse o mundo - foi construir uma persona. Contudo inteligente como sempre foi, com sua persona, Nana Gouvêa abriu espaços neste enorme teatro e nele se mantém representando, desde o tempo das tardes domingueiras, divertindo-se numa banheira em rede nacional, até o tempo presente nas praias, no carnaval ou nas ruas do Rio de Janeiro, sempre driblando os fotógrafos, que com ela contracenam. Sebastiana parece-me viver imune a tudo isso; enquanto o coração é invadido por uma felicidade pela interpretação, a alma se enche de coragem, sem culpa e sem medo, inclusive para mudar os rumos da sua personagem.